Serei a própria poesia de Neruda na sua dimensão mais autêntica, etérea e mundial. Vestirei-me por assim dizer, de um grande poeta universal. Encherei-me de livros para depois, também puder dizer aos quatro ventos do mundo: "Confesso que vivi".
Quero beber Neruda em grandes taças de italiano cristal. Salgar sua lavra em pergaminhos antigos e palimpsestos com o sal chileno tirado do solo pátrio daqueles amiúdes desertos infernais. Por fim, levarei todos aqueles livros comigo, envoltos em peles de lhanas e de búfalos africanos. Desafiarei o próprio Saara ocidental. Serei imortal com o próprio Pablo, meu amigo.
Quero me fartar dos poemas de Neruda. Chorar seus versos mais fortes e comovidos. Absorver todo o sentimentalismo em sua própria fonte, subindo as serras de todos os altiplanos do velho Chile. Chorar demasiadamente em todos este momentos idiomáticos e emoções humanas a sua poesia construtiva e sentimental. Sentir em meus dedos todas as expressões do mundo, assim como o sentimento de Drumond e de Garcia. Como ele próprio(Neruda) um dia, chorara mui profundamente em si mesmo, a trágica morte do seu socialista amigo Allende(suicídio ou assassinato?). Ah como dói, sentir todo o ódio e todo o asco a la Pinochet...
Quero contemplar o mundo numa perspectiva diferente, do alto dos Andes chilenos, embevecido pela poética afirmativa e forte de Neruda. Sentir o calor dos trópicos e o frio das minas do longo deserto do Atacama, mascando as sagradas folhas de coca extraídas pelas mãos delicadas das belas índias bolivianas, bem como das matas guerrilheiras da Colômbia. Ultrapassar a largos passos a linha imaginária dos trópicos e dos meridianos.
Banhar-me junto de Neruda nas águas mornas das ilhas Galápagos(mares e rios), vislumbrar o mesmo cenário inusitado de Darwin, já para as bandas do velho Equador. Onde o mestre se encantara um dia. Surpreender-me com todos os enigmas de Nazca peruano e logo em seguida, me embrenhar na densa selva colombiana na direção tangente para a Venezuela.
Quero com o velho Neruda pisar, igualmente, o sagrado chão onde a CIA certa feita, matou covardemente Che Guevara – léguas tiranas manchadas de sangue guerrilheiro da província de La Higuera – inóspitas matas quase inda hoje abandonadas da Bolívia.
Quero este passeio sugestivo, sulmamericano com Neruda. Depois fumarmos juntos, um Havana adocicado romanticamente pela língua e a saliva das bonitas, educadas e românticas mulheres cubanas. Hálito guerrilheiros, mares bravios, sentimentos fugidios, segredos íntimos e indizíveis.
Cantar e dançar a sua boa música. Ler José Marti e desafiar toda a ignorância e a prepotência ianque de uma Miami falida e enganadora. Quem sabe, sob vários goles do mais puro rum e de tequila, olharmos nos olhos as estátuas de Marti, Camilo, Che e Simon Bolivar.
Dançar com todas as belas donzelas do Chile e das Américas, bebendo o supra-sumo da poesia chilena e universal de Pablo Neruda. Experimentar a sua velha boina na minha própria cabeça como o próprio solidéu de um papa diferente que viveu a tragédia e o sofrimento da sua gente como na própria pele.
Olhar de perto a sua inimitável caligrafia. Sentir seu jeito amigo e acolher em mim mesmo todos os seus conselhos. Voar decididamente sob o céu da Terra e da amada pátria de Neruda. Tecer longas conversas noite adentro com o poeta e todas as suas antigas namoradas. Depois, já pelas tantas da madrugada, vislumbrar nosso João Cabral deliciando-se com as touradas de Servilha, Madrid e Barcelona. Sentir nas minhas próprias mãos todo o fogo ardente e feminino das provocantes e belas mulheres da Espanha. Ouvir demoradamente, bem de perto, o instigante papo de Neruda com o pernambucano vate do Brasil. Em seguida, bebermos coletivamente todo o vinho possível que têm as noites da Espanha, da França e de Portugal.
Recitar para ele a 'Tabacaria de Pessoa' - o bom e imortal vate português, assim como a chorosa e emocionante poesia de Florbela Espanca. Quero este passeio inusitado com Neruda. Voar tranqüilo como que na calda mitológica do ‘pavão misterioso’ pelas ilhas e todos os arquipélagos das Américas.
Sonhar tantos e deveras, os absurdos em meus desvarios literários. Abraçar minhas utopias com os meus braços cheios de conquistas e de metáforas. Sentir na minha língua e mãos a força e a ternura dos beijos de todas as musas que inspiraram Neruda pela vida.
Ler com o poeta do Chile em voz alta, até mesmo a minha própria prosa e os meus poemas prediletos na mais legítima tradução do idioma castelhano. Quero com Neruda encher-me de milhões de Amazonas para depois me esparramar poeticamente sobre a caatinga e toda a cultura dos meus sertões.
O poeta(Pablo NERUDA) e sua grande paixão, a cantora chilena Matilde Urrutia.
Sentir na minha boca sob os ventos alísios dos Andes toda a poética-sangue, suor e sal de Angola e Moçambique. Adentrar nesta viagem surrealista a Amazônica selva do Brasil e, deste modo ousado e sonhador, render sinceras homenagens póstumas à Plácido de Castro, Rondon e Chico Mendes no seu Xapuri ainda violento e matagal. Cantar, quem sabe, em versos e prosas para nosso Neruda visitante, numa canção nativa, a mais linda lavra de Thiago de Melo e Manuel de Barros, Cora coralina e Patativa.
Quero por fim, beber Neruda nesta noite fria. Viver para sempre nos Andes chilenos de onde o mundo e as pessoas nunca são tão grandes como se pensam e se imaginam pela vida afora. Subir o Nebo do mundo, e lá de cima nunca mais enxergar qualquer fronteira. Enxarcar-me de virtude, humanismo e solidariedade... Porque, somente a poesia é que tem o poder de engrandecer a vida e tudo o mais que no mundo exista. A poesia é que dá substância as idéias e corpo aos sentimentos. A vida é nada sem poesia...
Quero beber Neruda, assim como toda força e todo sangue ancestral contido na sua poesia. Poeta andino do Chile americano. Mestre imortal de todos os tempos – Neruda: o poeta-vinho das cordilheiras dos Andes. Vinho bom, maravilhoso e adocicado que uma vez bebi e desde então, nunca mais me esqueço. Quero enfim, beber Neruda e sobre as cordilheiras dos Andes gritar ao mundo, ao planeta, à fauna humana - de que sou feliz. E que, para sermos felizes temos que, de algum modo, sorver um pouco do sonho e do entusiasmo do velho poeta Neruda.
Sorver com meus lábios e língua todos os beijos doces das mulheres sul-americanas nerudianas. Matar minha sede ante o idioma e dialetos que há milênios nos aproximam como um presente dos anjos apaixonados de Deus. Quero degustar a poesia almiscareira, humana, afrodisíaca e cheirosa de Pablo Neruda. O poeta-mor das Américas andinas. Adormecer pra vida e acordar pro futuro no amanhã que há tempo me espera segundo o mapa-múndi poético de Neruda. Quem sabe, quando a poesia puder ser chamada simplesmente pelo nome fúlgido de mulher.
Toda a completude do mundo será uma eterna festa de luzes. Um verso altivo.Um instante eterno. Um poema, o qual por pura necessidade absoluta daremos inevitavelmente o nome de Neruda.
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· Prof. José Cícero
Pesquisador do Cangaço
Secretário de Cultura e Esporte
Aurora-CE.
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