sábado, 10 de dezembro de 2011

PENITENTES de Aurora: Autoflagelação do corpo integra ritual - Parte 1*

Por José Cícero
Aurora. De todos os rituais mantidos pelos irmãos da Ordem da Santa Cruz, um em particular chama a atenção, especialmente pelo excesso de realidade que encerra: a autoflagelação do corpo como um mergulho no fundo da alma — uma atitude pela qual a irmandade dos penitentes acredita poder redimir-se de toda e qualquer forma de pecado. Acreditam estar aplacando a própria ira de Deus.


Neste quesito, nenhuma abstração, seja ela de qualquer nuance, parece ser possível. O excesso de realidade nos invade a retina e a compreensão com uma enxurrada de acontecimentos dos mais inacreditáveis e expressivos. A autoflagelação é algo que parece doer mais nos espectadores que a assistem pela primeira vez, do que naqueles irmãos que “flagelam” a si próprios.

No momento do ato, é possível perceber uma espécie de transe a habitar cada um dos participantes, seguido de uma calmaria, um instante total de paz interior, um refrigério para o próprio espírito enfim, um lenitivo a se expandir por todos os poros, cujo ápice acontece à medida que o sangue começa a escorrer sobre os corpos suados tingindo de vermelho o chão e as paredes do ambiente.

Estes atos acontecem sempre em lugares fechados, longe dos olhares indiscretos das pessoas. Talvez, por isso, a dor não exista e aquele líquido a se espargir no ambiente, diante do balançar ritmado das navalhas amoladas, constitua apenas como um detalhe à parte.

O instrumento composto de cordas de couro cru, em cujas pontas mantêm amarradas várias peças de metal, extremantes cortantes, não poderia ter um nome mais sugestivo: disciplina. Fabricadas artesanalmente a partir de restos de lâmina de serrote, as partes cortantes da disciplina são pacientemente amoladas numa espécie de pedra especial no dia anterior ao sacrifício.

Este trabalho de “amolamento”, segundo dizem, é função dos decuriões, ou seja, os mestres-coordenadores, responsáveis pela direção de cada grupo. E o que se viu, foi algo por demais surpreendente.

Com isso, esperam também conseguir o perdão e ascender ao éden divino para todo o sempre. É, sem dúvida, um ritual medievo fortíssimo que impressiona justamente pelo que carregar de quase sobrenatural. Diria ser o “cortar da própria carne” na expressão mais lídima do termo.

Esta prática tem a marca do sangue, que a todos remete aos primeiros séculos da Igreja Católica, quando do sacrifico dos seus mártires, dentre os quais o próprio Jesus Cristo, um dos símbolos, senão o primeiro, no corolário das crenças a povoar as mentes, os corações e as almas dos penitentes do município de Aurora.
"Com o flagelo do corpo, eles crêem redimir-se do pecado"
JOSÉ CÍCERO
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(*)Matéria publica na edição do dia 7 de abril de 2007 no Caderno REGIONAL do Diário do Nordeste
Foto: José Cícero: Penitentes da 'Ordem Santa Cruz' de Aurora-CE em pleno ritual: "alertai".
http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=421912
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J.Cícero - Professor e Pesquisador.
Secretário de Cultura de Aurora/CE.
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2 comentários:

paulo henrique disse...

olá amigo. parabéns pelo cargo que ocupa em aurora.
acredito que rituais são exagero de fé,isso não agrada DEUS e servede fanatismo de religiosos radicais da propria religião.

vanilda disse...

Realmente!A a autoflagelação está descartada da minha fé. Como disse Hebreus:"Fé é o firme fundamento das coias que se esperam e a prova das coisas que não se vêem."
um dos belos rituais que o homem, (falando do ser)deveria oferecer a sua alma,seria não viver as concupisciência.
Vanilda SP.(aurorense)